O Diva de Portugal

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sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Literatura?...

Pediram-me há tempos, a meio de uma animada discussão intelectual (!), que definisse o que considerava por boa escrita. O que distinguia uma boa obra literária de uma mediana. Devo confessar que, de início, me senti perdido, sem resposta. Como exprimir por palavras algo tão subjectivo e ao mesmo tempo transcendental como a Literatura (assim mesmo com letra grande). O que é - o que é? - que faz com que as mesmas palavras que usamos todos os dias ganhem uma força e um sentido esmagador? À falta de uma definição minimamente convincente (mas o que é mesmo??) avancei com um exemplo relativamente recente. Lembram-se do filme “As Horas” com a Nicole Kidman, a Juliane Moore e sabe deus quem mais, cuja história girava à volta da figura de Virginia Wolf? O filme é baseado num livro de Michael Cuningham que já tinha lido e adorado antes da versão cinematográfica. Assim foi com aquele sentimento, misto de reconforto e entusiasmo, de reencontrar história e personagens conhecidas que decidi alugar o DVD. Aluguei e detestei. O argumento era bom, a realização e a fotografia competentes e o naipe de interpretações espantoso, mas mesmo assim detestei o filme. E detestei porque aquele denso grunge de fatalismo e tragédia eminente que parecia cobrir cada personagem no livro parecia, no filme, absolutamente risível, forçado, deslocado. Que uma simples dona de casa tivesse reflexões existencialistas enquanto fazia bolos parecia completamente natural quando correctamente escrito. Assim como era normal que todos os diálogos, da mais banal conversa de rua até às confissões no leito de morte, fossem de uma densidade lírica e filosófica espantosa. Sturm und Drang do início ao fim. Quando transposto para imagens tudo isto parecia contra-natura e teatral. Todo aquele mundo caía por terra. Suponho que é essa a característica especial da literatura. Transpor todas aquelas questões existenciais com uma simplicidade desarmante. Fazer com que a vida quotidiana, cada pessoa/personagem tenha uma profundidade dramática interminável. Fazer com que cada gesto aparente um sentido e tenha uma explicação. Fazer com que todas as vidas pareçam trágicas, fatalmente heróicas e vibrantes.