O Diva de Portugal

Que há para dizer? Isto é um blog... Ah, sim! Se quiserem entreter (vulgo, contactar) alguns dos desocupados que fazem isto, usem os e-mails da Beatriz, da Inês, ou do Joao.

sexta-feira, janeiro 30, 2004

Engonhanço

É uma verdade indesmentível. De todos os países do mundo, Portugal é aquele onde mais se aperfeiçoou, com admirável persistência, a milenar arte do engonhanço. E, de todos os produtos da cultura portuguesa, em mais nenhum o engonhanço atinge tamanho esplendor como nos telejornais. O telejornal português é um fenómeno à parte. Um case study sociológico. Não se limita a dar notícias relevantes. Ná....os sensaborões que quiserem informação têm a CNN ou a Sky. Nos canais nacionais temos um programa mais ou menos parecido com o dessas cadeias só que incrivelmente mais longo, estoicamente aborrecido e sem nenhuma notícia digna desse nome.
O alinhamento standard do telejornal português é genericamente o seguinte:
- Assalto em café, lavandaria, bomba de gasolina, pastelaria, sex-shop, drogaria ou afim.
- Recuperar aquela reportagem do arquivo, onde se falava da esquadra de PSP da zona onde decorreu o assalto.
- Se o assalto meteu imigrantes, como assaltantes ou vítimas, recuperar aquela outra reportagem sobre a imigração.
- Se o imigrante em causa é das ex-colónias, passar excerto da investigação sobre os ex-combatentes da guerra colonial.
- Intervalo de 15 (20 na TVI) minutos.
- Ligeiríssima notícia sobre política, para não fatigar o telespectador em demasia.
- Notícia sobre sexo, que pode ir de uma violação até uma reportagem de 10 minutos sobre a situação dos prostitutos moldavos em Portugal.
- No seguimento da notícia anterior, e com um sorriso nos lábios do apresentador, pequena peça sobre a alteração dos hábitos sexuais dos portugueses. Pode ir desde a prostituição até à subida nas vendas de bonecas insufláveis. O que é preciso é imaginação.
- Intervenção em directo a partir de local de acidente rodoviário. Num dia de sorte, tem um velhote e veículos em contramão à mistura.
- Apanhando a onda da segurança rodoviária, entrevista ao actual detentor do recorde de taxa de alcoolémia ou, em opção, reportagem numa operação stop na 24 de Julho.
- Novo intervalo, de duração variável, para desanuviar o ambiente.
- Desporto variado desde que seja futebol. Pode abranger vários minutos.
- Intervalo…para variar.
- Regresso com uma reportagem terrível e absurdamente extensa, sobre um facto completamente irrelevante. Abrange temas variados que vão desde a gravata à lampreia, do fast-food aos colchões de água.
- Outra reportagem interminável, desta vez sobre a enésima aldeia perdida para lá do fim do mundo, onde só vivem 60 pessoas, e não nasce ninguém há 30 anos, e o autocarro não chega, e o médico não vem, e há 2 pastores, wada wada wada wada.
- Nova investigação, sobre doença à escolha, que se encontra em ASSUSTADOR crescimento na população portuguesa. Dependendo da altura do ano e da conjugação astral, a escolha recairá sobre diabetes, obesidade, cancro algures no sistema digestivo, tabagismo, apneia do sono, parkinson ou incontinência urinária.
- Finalmente, a verdadeira piéce de resistance, que foi sendo anunciada ao longo de todo o noticiário: a notícia do padre. Há sempre um vilarejo esconso onde um dos 3 habitantes está contra o padre da paróquia local. E a televisão nacional tem obviamente de cobrir, de preferência com repórter no local. E que interessa, que a razão da disputa seja geralmente a cor da cerca, o hino dos escuteiros ou o tipo de relva a plantar. Tem um padre? Tem um mínimo de 2 velhos/velhas descontentes? É notícia.

Claro que, no total, isto se estende para uma maratona de mais de hora e meia. 1 hora e meia sem nenhuma notícia de jeito. 1 hora e meio de engonhanço puro e duro. Mas que tem piada…tem.