O Diva de Portugal

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sábado, outubro 04, 2003

O Cavaleiro que regressa

É um conto, pode ser verdadeiro, poderei estar a recordar pela invenção o que muitos sentiram. Naqueles tempos das cruzadas em que a Fé era tudo e o rei senhor absoluto, em que as gentes festejavam a partida e choravam a chegada, não por não desejarem o regresso, mas por verem como ele era trágico.
E aqui se conta, o conto...

Ass: PM

O sol se punha atrás dos montes, trajando a floresta de negro, cobrindo o verde de escuridão, levantando os seres da noite e deitando os do dia. Alastra a sombra das rochas à sua volta, a dos pinheiros acima deles.
Um cavaleiro seguia pela linha marcada na terra, pelos caminhos de ninguém, escritos por alguém em tempos incertos. Seguia-o um rapaz, seu escudeiro, seu companheiro. Vinham das guerras, das batalhas vencidas e findadas com glória e pompa, das honrarias e dos festejos, vinham buscar seu prémio, a paz e o descanso. Descansariam em merecida paz, haviam lutado por ela e todos reconheciam que esta era deles, por direito.
Estancou a montada, olhou em redor, fitou o companheiro. O escudeiro vendo-o parado, estancou a sua montada e aguardou que ele lhe dissesse o que os olhos anunciavam. Olhos vermelhos, de cansaço, de tristeza, de lágrimas sustidas. Não eram lágrimas da verdade, da genuína alegria, da felicidade, mas da mentira, da mágoa escondida, da dor da perda, da amizade tragicamente findada. Chorava pelos amigos, companheiros de armas e também antes na sua infância. Haviam sido mortos ou capturados e ele, sem nada puder contra isso, via-os desaparecer a seu lado, na sua frente, no meio do infernal campo de batalha. No cneário da batalha, no maldito campo, onde cada um lutava por si contra um ninguém, contra alguém que lutava por si, pela sua vida. Não lutavam contra o outro, mas contra o fim, contra a morte, contra a sua derrota, lutavam pela vida, pela vitória, pela liberdade, pelo início do fim das batalhas, pelo descanso que se fazia necessário.
Haviam perdido o principal, ganho o que não desejavam. Trocaria a sua falsa alegria, pela genuína de saber os outros vivos e a salvo. A dor da perda, derrotava-o e em derradeira batalha dentro de si, desfazia a alegria e asteava a dor. Derrotado, sacrificado, privado, vazio, sem nada que sentir, para além da dor. Reconhecia a vitória, mas não a sentia.
E ao longe, entre a floresta, se erguiam as muralhas. Muralhas de forte construção, de castelo robusto, de fortaleza que vidas defendia e terras protegia. Dentro delas, os seus, os que sobreviveram, os que o aguardavam, os que o viram partir com os outros e agora o viam chegar sem eles. Entre os sorrisos, as alegrias do regresso, a dor da partida dos outros. E entre elas, esquecendo-as, nenhuma sentindo, o vazio de nada sentir, excepto esse vazio. Um vazio que sem nada ser, se sente, pois se nota que não existe e não se sente e é isso que o faz misteriosamente existir e sentir-se.
Os portões se abriam, eles entravam, alguns sorriam, outros choravam. Uns os braços abriam, os outros recuavam, não por medo, não por tristeza, não por falta de simpatia, apenas por estarem perdidos, por não verem os seus e verem o outro que regressava só e só se sentia. Sofriam por ele e por eles próprios, pois também a eles a dor da perda daqueles bravos também lhes doía. Muitos os viram crescer, de crianças passar a senhores, de rapazes a homens de armas, de escudeiros a cavaleiros, muitos deram vivas aquando da sua partida, deram por certo o sucesso de tal empresa, para mais tarde constarem como eram inúteis as palavras quando o coração delas dúvidas e não as sente. Mas pareciam sentidas, pois eram ditas pela alegria, pela inconsciência do momento, pela força da bebida.
E ele, desmontava o seu cavalo e olhava-os. Ninguém dizia palavra, ninguém esboçava humano sentimento, contemplavam a perda em sua invisível forma, que se mostra pelo vazio que deixa. Vazio nos corações e na vista. A dor da guerra sentiam e a cada momento, mais sofrido que o anterior, se davam conta como ela era horrível e como a sua causa também. Como a guerra era inútil e apenas a morte trazia aos que a menos mereciam, pois somente obedeciam àqueles que combatiam por seguras ordens dadas em seguras fortalezas, longe dos perigos da batalha.