O Diva de Portugal

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domingo, dezembro 21, 2003

Liberdade/Religião

Foi aprovada recentemente por Jacques Chirac a resolução que proíbe a utilização de símbolos religiosos em escolas públicas. Como toda a gente sabe, esta polémica começou com a expulsão do ensino público de raparigas que insistiam em usar véu sobre a cabeça. No entanto esta nova proibição vai um pouco mais além: é proibido o uso de véu pelas raparigas islâmicas e o uso da kipah aos rapazes hebraicos. Como em quase tudo, existem argumentos válidos tanto contra como a favor da decisão, mas não posso esconder que, pessoalmente, não nutro grande simpatia pelos caminhos que esta posição aponta. Esta decisão insere-se numa ideologia laicista-jacobina que parece absolutamente obcecada em eliminar qualquer resquício de religião ou espiritualidade nas sociedades contemporâneas. Todos concordaremos que o estado laico foi uma conquista importante que deve ser preservada e acarinhada. No entanto, a partir do momento em que se aplicar esta nova decisão, a França deve passar a ser o único país ocidental onde o Estado, supostamente democrático e liberal, interfere no direito de cada cidadão de se vestir como bem entende. É ligeiramente patético que se considere como uma ameaça ao estado democrático que uma rapariguinha leve o véu, símbolo tradicional da sua cultura e religião, para as aulas. Toda esta problemática advém duma concepção de liberdade e direitos civis que está, do meu ponto de vista, absolutamente errada. Na obsessão de se tornar totalmente justo e igualitário, o Estado, em vez de se liberalizar, de se adaptar a um novo mundo globalizado, prefere reprimir de forma a uniformizar as populações. É isto que acontece neste caso em particular: em vez de ser verdadeiramente laico e permitir a cada indivíduo que professe livremente a sua religião, o Estado simplesmente proíbe qualquer demonstração de religiosidade para não ferir susceptibilidades. E se neste caso a proibição se aplica ao vestuário, não faltará muito para que se estenda a qualquer outro campo da vida pública. Os nomes das ruas e dos edifícios contém uma conotação histórica que pode ser desagradável? Acaba-se com os nomes das ruas! É problemático para as pessoas em dieta ver os outros a comer? Então proíbe-se a alimentação em público! As diferentes roupas causam complexos a quem não pode ter a roupa que quer? Passa toda a gente a vestir-se de igual!
É óbvio que o Estado deve ser igualitário no tratamento que dá a cada indivíduo, independentemente da sua religião ou cultura. Mas deve cada vez mais abster-se de intervir em campos onde o que está em causa é uma mera afirmação de individualidade. Esta decisão leva-nos de novo às escolas do outro tempo, onde usar uma t-shirt mais ousada dava direito a expulsão. É uma tomada de posição injustificada e perigosa. De facto, ao adoptar esta proibição, corre-se o risco de afastar do sistema público de ensino milhares de alunos/as de outras culturas. Em vez de tentar usar a escola como pólo de integração dos imigrantes, esta decisão marginaliza os estudantes estrangeiros, inclusive afastando crianças para estabelecimentos de ensino religiosamente radicalizados onde aquilo que se ensina está longe de ser um exemplo de tolerância. Depois queixem-se da existência de grupos islâmicos radicais.