O Nome da Rosa (inspirado na calvice de Sean Connery)
A minha própria referência à calvice de Sean Connery não pôde deixar de me fazer pensar um pouco. De facto, na década de 80 era bastante frequente vermos filmes em que Sean Conney aparecia careca, aliás, sem as perucas que muitos produtores teimam como adereço imprescindível em qualquer personagem interpretada pelo actor. Não que isso as desvalorize, fique claro. Basta lembrar o inesperado Encontrar Forrester para vermos como o actor veterano consegue construir personagens fantásticas e mostrar um talento incrível, supreendendo o espectador mesmo após tantos filmes. Contudo, Sean Connery é um magnífico actor e vale por si...
Aliás, não é preciso ir muito longe, para encontrar em produções não-americanas alguns dos trabalhos mais dotados deste escocês.
Um desses casos foi a adaptação do best-seller do escritor e ensaísta italiano Umberto Eco (um trabalho memorável naquele que foi o seu primeiro romance), O Nome da Rosa, um livro cuja fama e originalidade causaram sensação na época do seu lançamento. Uma adaptação ao cinema fazia-se necessária, portanto. Esta viria, finalmente em 1986, 6 anos após o lançamento do livro. Dois nomes de peso encabeçaram o elenco, Sean Connery seria William de Baskerville e F. Murray Abraham o seu opositor e rival, Bernardo Gui. O narrador e figura central do romance, Adso de Melk, seria interpretado pelo actor Christian Slater, que via então o começo da sua carreira.
O filme, cuja realização ficou a cargo de Jean-Jacques Annaud (realizador muito conceituado, com filmes como Sete Anos no Tibete no seu extenso currículo), narra a história sobre uma abadia medieval onde ocorrem uma série de homicídios. O monge William de Baskerville e o seu noviço, Adso de Melk, investigarão ao longo de sete dias os misteriosos crimes, enquanto tentam entrar numa inacessível biblioteca.
As cenas são na sua maioria passadas de noite, o que de facto retira um pouco a emoção dos cenários, mas o que é explicável pelos custos que a não opção por filmagens nocturnas acarretaria. Afinal, é comum o uso da escuridão e sombra para “maquilhar” algumas deficiências, aliás, esta é uma técnica recorrente em filmes que usem animação CGI ou stop-motion (basta lembrar o resultado maravilhoso que tal opção permitiu em filmes como Jurassic Park).
O cartaz que apresentamos aqui ao lado é deveras elucidativo, apresentando um rol de personagens cruciais para a história. O Nome da Rosa, é acima de tudo um policial medieval, uma obra sobre a Fé, sobre a vida dedicada a esta, sobre as suas qualidades, defeitos, realidades, sobre o pecado a que os que a vivem não estão imunes. É um livro que aborda a sexualidade, em dois extremos que mostram e reforçam a ideia que a Igreja na Idade Média não era de modo algum símbolo de puridade ou um exemplo a seguir.
No cartaz, pode-se observar a figura central do romance, William, o monge cujo passado de luta contra a Inquisição se revela no desfecho do romance quando defronta Bernardo Gui. É também a esta personagem que cabe o importante papel de solucionar os homicídios, cujo autor é como em qualquer romance desmascarado no final, sendo a sua identidade totalmente inesperada (ou talvez não? Mas não estragarei a surpresa...). Em seguida, Adso, o noviço que narra anos mais tarde já perto da morte a misteriosa aventura. Tenho que confessar que William se mostrou na minha primeira leitura do romance de Eco uma personagem fisicamente diferente de Sean Connery, mas no final, vi em Connery um William que eu gostaria de ter imaginado. Sean Connery consegue ultrapassar as limitações da produção, da duração do filme e mesmo do guião e expressar por pequenas indicações as facetas da personagem e a ideia que Eco tenta passar ao longo do romance. Adso, peca pela falta de tempo e pelo facto do próprio Slater parecer um pouco perdido do personagem (curiosamente, Adso mostra-se um pouco perdido no meio do enredo, mas não tanto da maneira que se mostra no filme). O Abade (o francês Michael Lonsdale, também conhecido pelo vilão de 007, Moonraker) fica um pouco distante da ideia do livro (e um pouco da minha) mas mostra-se credível a um espectador que não tenha contactado com a obra, o ancião Jorge de Burgos é interpretado por Feodor Chaliapin Jr., tendo a sua actuação algum destaque, ao dar ao monge cego a rigidez e conservadorismo da personagem no romance. Também o actor Ron Perlman (A Última Ceia II e mais recentemente protagonista da adaptação ao cinema de Hellboy) compõe um caricato Salvatore, uma personagem elaborada e com uma actuação equilibrada, mantendo a perspectiva humorada de Eco. Destaque para a caracterização desta e doutras personagens a nível de maquilhagem.
A fotografia é uma das atracções do filme, a imagem levemente escura reforça o mistério e faz lembrar ao espectador a atmosfera medieval e do próprio edifício da abadia, que como a religião se fechava a si próprio. Apenas os cenários pecam pela falta de grandiosidade que a adaptação merecia, a biblioteca fica aquém do clima e expectativas que Eco tão habilmente cria ao longo das quatrocentas páginas do livro.
Ainda assim, é um filme interessante que constitui uma tentativa bem sucedida por parte do cinema europeu de dar vida àquele que foi um dos romances mais felizes de Umberto Eco.
Admito que para mim o seu trabalho melhor concebido e mais imaginativo é Baudolino (para desgosto de uma amiga que não nega a sua preferência pelo ecléctico O Pêndulo de Foucault). Vejo com grande agrado os esforços do produtor Thomas Schuhly para trazer esta obra para os ecrãs de cinema. As filmagens poderão arrancar em 2005 e Sean Connery mostrou interesse em viver o pai adoptivo do personagem. O Nome da Rosa constitui uma boa mostra como obras complexas podem ser adaptadas sem perder a sua essência e mantendo-se histórias coerentes e de interesse. Certo, certo é que pelo menos três pessoas viram este filme: eu, a pessoa que fez a legendagem e uma colega minha.
Ass: PM
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