O Diva de Portugal

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sábado, novembro 22, 2003

O Comercial do Cinema II

Reagindo a este "espontâneo" (é verdade, quase parecia que houve uma combinação prévia, mas nãooo, isto é totalmente espontâneo...) desafio do meu colega de blog eu avanço com a minha magna brigada em divina cruzada para defender a minha visão sobre o cinema. Não é a mesma que a do João, pelo que haverá vantagens (para quê ler dois textos que dizem o mesmo quando se pode ler dois que dizem coisas diferentes?)... e como o Divã começa a ser um opinion-maker de várias mentes deste país, creio que amanhã poderemos ver Marcelo Rebello de Sousa a falar desta verdadeira Causa Nacional, enquanto se corrigi acerca do número de crónicas que ditava e as que escrevia e teclava no computador com os dedos dos pés.
Bem, aqui vai o texto, coisa pouca. Como é usual em mim, de resto!

Ass: PM


Como o cinema, a argumentação é um acto de comunicação. Argumentar sobre cinema não deixa de ser difícil; o cinema é artisticamente complexo e tornou-se, também, um fenómeno social, cultural e económico. É um espelho da sociedade que o consome, que guia o seu produto, que o influencia de forma determinante. Contudo, a comunicação pode ou não ser eficiente, expondo ou não uma mensagem. Infelizmente, o cinema caminha para uma perigosa e viciada abordagem em que explora o seu comercial, esquece o artístico, ignora a mensagem, desinteressa-se pela sua correcta abordagem. Adopta as modas em busca do lucro rápido, da rentabilidade que mais que exigida pelos estúdios, é imposta. O que torna um filme intemporal é a sua qualidade. Hoje, os filmes são feitos à medida da sua época, dos seus gostos (demasiado) particulares e efémeros. A criatividade é, pois, relegada para um plano bastante secundário. As decisões criativas dão lugar a decisões ponderadas quanto ao modo como realizar, montar e trabalhar o filme, o guião, as personagens. Filmar, fazer um filme, é hoje um negócio, como qualquer outro e como um negócio exige cuidado na tomada das decisões. Como negócio exige lucro, exige público consumidor, exige ser comercialmente viável.
O certo, é que a exploração comercial da arte não é novidade alguma. Mesmo grande nomes artísticos não escaparam dessa perigosa tentação. Ligado, curiosamente, ao cinema (pelo seu trabalho na cenografia) encontra-se no pintor espanhol Salvador Dalí, conhecido não somente pelo seu génio, como pelas extravagâncias e a exploração (muitas vezes puramente comercial) da sua imagem e nome. Porém, o facto do nosso passado terem existido tais atitudes, não deveria constituir exemplo a seguir. Deveria, sim, servir de lição, de modo a que se corrigisse esta limitação. Filmes comerciais muito raramente persistem, podem subsistir como mera curiosidade cinéfila (veja-se o caso da saga japonesa Godzilla) mas nunca passarão muito além disso. A carreira do filme fazia-se, dantes, não só nas salas, mas, também, em casa pela televisão ou pelas cassetes VHS. A qualidade de um filme, o trabalho dos actores, o interesse da história interessavam, sobretudo, como modo de garantir a viabilidade futura desse filme. Presentemente, a intenção é mais imediata, a seguir a uma estreia comercialmente cuidada e com uma propaganda agressiva que impõe o filme quase como uma moda, segue-se a rápida rentabilização do gigantesco investimento na propagando do mesmo, ao lançarem-se num curto espaço de tempo produtos de merchadasing, edições especiais do filme e a inevitável edição do mesmo em formatos caseiros (DVD e/ou VHS).
É verdade que nem todo o cinema terá abdicado da sua visão criativa. Existem casos de sucesso em que ambas as visões coabitam (a mega-produção portuguesa “A Selva” será, certamente, um deles). É, ainda assim, impossível negar a constatação óbvia que o peso do produtor e do produtor executivo (dantes meras figuras ligadas ao financiamento do projecto) é agora muito maior. Passaram de colaboradores e preciosos ajudantes do realizador, para fortes intervenientes no seu trabalho artístico, quer por decidirem e escolherem o guião do filme, quer pela escolha do próprio realizador. Como dono do filme, o produtor, passou em muitos casos a ter última palavra. São notórias as influências de alguns em vários dos filmes que produziram. A visão desses produtores é geralmente uma visão comercial, preocupada com a aceitação, em tornar a mensagem mais acessível, mais politicamente correcta e esteticamente mais concordante com os gostos (ou a falta deles) da generalidade do público. O inevitável cliché, que corta espaço à originalidade do filme, é uma maneira de tornar previsível a história e, segundo alguns críticos, um método comercialmente inteligente de dar ao espectador a sensação de domínio sobre a história, uma certa e hipotética interactividade com a história (que se parece assemelhar ao gosto e desejo da maioria). Em oposição, os críticos parecem ser mais críticos, não tanto por gostarem de o ser, mas por haver mais que criticar, como defendeu certa vez José Vieira Mendes (editor da revista de cinema Premiere). O crítico perde a força, a crítica construtiva é abafada pela publicidade. É ela sim e a sensação que causa no futuro espectador que determinam as preferências. Por isso mesmo, é o cinema português tão comercialmente mal sucedido. Depende, demasiado, das críticas dos críticos, do trabalho das equipas técnicas, da qualidade da obra. O público não a compreende, muitas vezes nem a conhece.
Actualmente a indústria de cinema visa a realização de filmes rentáveis, seguros, atractivos. Sequelas são, muitas vezes, um produto comercialmente considerado como rentável. As sequelas esgotam-se enquanto conceito, é certo. Porém, o comercial do cinema parece encontrar, novamente, novas ideias (despidas, infelizmente, de qualquer originalidade) em adaptações de bandas-desenhadas ou no cruzamento de sucessos comerciais (como o projecto Alien vs Predator ou o não concretizado Batman vs Superman). Acima de tudo, ao estúdio interessa o lucro. Um filme consome, hoje, vários milhões de euros (o próprio Dogville, considerado um filme minimalista, custou nove milhões de dólares) e a esse generoso orçamento juntam-se verbas de até um terço do custo da produção, somente para publicidade. O filme não só se impõe como obra artística, mas sobretudo como produto comercial e, especialmente, como produto que pode e deve ser consumido.
O realizador autor dá lugar ao realizador executante. Existe pouca margem para um filme não lucrativo, o cinema de autor, o cinema independente ou o cinema artístico podem ser apreciados pela crítica, elogiados e premiados nos festivais, mas num meio saturado existe a sua existência (ou, desesperada sobrevivência) torna-se difícil. São apagados, ignorados, excepto quando um actor ou actriz famosos participam neles. Dogville, alegam alguns, seria para muitos uma incógnita não fosse a participação da oscarizada Nicole Kidman.
Mesmo grandes obras vêem as suas adaptações sujeitas às imposições comerciais. Pablo Villaça na sua coluna online (www.cinema.art.br) criticou a alteração no final do filme O Conde de Monte Cristo, sendo que esta crítica recebeu eco entre os leitores e visitantes deste e doutros sites. O final feliz geralmente apresentado no cinema norte-americano e comercial abalou, assim, o final trágico do célebre romance de Dumas, cortando a verdadeira intenção do autor da obra e substituindo-a por um previsível (na lógica cinematográfica, claro) final.
O próprio espaço de visionamento do filme, argumentou o produtor português Paulo Branco (um dos poucos que se mostra contrário à onda do comercial do cinema), é mostra clara que muitas pessoas não vêem o cinema como arte, mas como puro entretimento. Para muitos será impensável a ida a um cinema sem pipocas ou sem intervalo (muitas vezes gasto no reabastecimento do pacote de pipocas) ou que não sirva os afamados refrigerantes, muitas vezes culpados por efeitos sonoros complementares dos do filme.
Reflectir sobre o filme, sua mensagem, significado e abordagem é, hoje, sistematicamente negado pelo público. Muitos filmes que se recusam serem um mero produto acabado, convidando à reflexão, são alcunhados de filosóficos mesmo não o sendo. O realizador é hoje um criador limitado, que se guia não pelo seu espírito criativo, mas pelos conselhos, indicações e até mesmo imposições do produtor. O realizador Tim Burton obteve fortes elogios da crítica, e do público, com as suas adaptações do mítico personagem de comics Batman. Contudo, o produtor da saga não hesitou em trocá-lo por outro realizador quando no segundo filme a sua visão artística se impôs à comercial. O filme seguinte foi desastroso - o excesso de influência comercial ditou uma sequela visualmente aberrante, de essência fraca, de existência parca. A título de exemplo, o realizador de tal filme, viu o seu trabalho ser elogiado em projectos com orçamentos reduzidos, guiões mais sérios e mais originais. Nestes é a opinião e decisão criativa do realizador que imperam.
Actualmente, a indústria ressente-se com a sua própria ambição. O comercial do cinema mostra as suas fraquezas e debilidade, sendo cada vez mais frequentes críticas às imposições que ele dita. A excessiva expectativa criada em volta de um êxito comercial dá, por vezes, lugar à desilusão e ao desencanto do público quando o filme não corresponde às expectativas criadas. Infelizmente, por culpa do próprio público que cria falsas expectativas levado pelo já natural domínio que parece ter no filme. Provavelmente a prova mais clara de todo aspecto comercial do cinema é a forte tendência da Academia norte-americana de premiar filmes independentes, actores talentosos e desconhecidos e filmes menos comerciais. As nomeações e atribuições de prémios, tentam chamar a atenção para um cinema ignorado, maltratado e que, comercialmente, é prejudicado pela divulgação abusiva de filmes, que os impõe mais que divulgar. Mas também na atribuição dos cobiçados Óscares se vêem cedências enquanto o seu apelo é calado e abafado no meio de mais uma estreia de uma mega-produção. Sinais de uma inevitável crise na sétima arte? Até quando, pergunta-se, se poderá seguir esta tendência. É no espectador que reside a resposta, no espectador que comanda sem comandar, que sendo o consumidor influencia o produto. Nele se encontra a resposta para o problema e, estranhamente, o próprio problema.